sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O CENÁRIO DO ABANDONO

Capital em 1.203 pessoas dormindo no relento




Se uma imagem vale por mil palavras, as fotos destas páginas dispensam qualquer centímetro de texto. Basta olhar para se envergonhar. Ver de novo para não esquecer. São moradores com nome, sobrenome e endereço fixo nas ruas da Capital.
Eram poucos, agora são centenas. De dia, vivem como catadores andarilhos. À noite, descansam o corpo na laje fria das calçadas, em bancos de praça e na escadaria de igrejas. Muitos ficam pelo caminho, derrotados pelo álcool, vencidos pela droga, vítimas da violência.

Em 2008, a população adulta de sem-tetos era de 1.203 pessoas. Hoje, a prefeitura não sabe.

Número de sem-teto parece ter aumentado

Embora não haja dados oficiais (o último levantamento feito pela Ufrgs é de 2008), a impressão de quem circula pela Capital é de que o número de moradores de rua aumentou. Na madrugada de ontem, a reportagem deparou com cenas que tornaram-se rotineiras na noite da cidade.

Conhecido por sua beleza arquitetônica, o viaduto Otávio Rocha, na Avenida Borges de Medeiros, é um dos redutos preferidos dos sem-teto.

Embaixo de suas escadarias, sustentadas por amplas arcadas, jovens, adultos e idosos acomodam-se para dormir. Quando anoitece, o passeio serve de cama para quem não encontra vaga em albergue ou resiste à oferta de ajuda.
Porteiro desempregado, Sérgio Luís do Nascimento, 48 anos, acordou para explicar a razão de estar ali.
Sem perspectiva de vida melhor
O ex-morador da Lomba do Pinheiro perambula há seis meses, sem documentos e sem perspectiva de uma vida melhor.
– De dia, cato latinha para vender e à noite me encosto aqui. Uma senhora traz café todas as manhãs. Quando consigo dinheiro, almoço no Bandejão – revela o andarilho, com duas passagens pelo Presídio Central.
Na esquina da Borges com a Rua Jerônimo Coelho, a situação é pior. Um tapete humano estende-se sob a marquise do prédio do INSS (edifício Cristaleira). A 1h40min, 23 pessoas dormiam numa espécie de alojamento coletivo a céu aberto.

Mudança no perfil

A presença maior de jovens nas ruas denuncia uma mudança no perfil desta população.

Segundo o sociólogo da Ufrgs Ivaldo Gehlen, coordenador da pesquisa que apontou a existência de 1.203 moradores de rua adultos na Capital em 2008, há uma explicação para este fato.
- Adolescentes que vivem na rua, crescem neste ambiente e chegam à maioridade com o mesmo comportamento dos adultos. Na pesquisa, 65% dos adultos dormiam na rua – relembra.
Outro motivo seria o movimento migratório deste grupo.
Com o fechamento, pela prefeitura, dos vãos sob as pontes da Avenida Ipiranga, por exemplo, os sem-teto passaram a ocupar outros espaços, tornando-se mais visíveis aos olhos da multidão.

Fasc anuncia albergues



O diretor administrativo da Fasc, Carlos Sett, admite o problema, mas faz uma distinção entre moradores e pessoas em situação de rua. Segundo ele, o aumento da presença do segundo grupo estaria vinculado ao crescimento do consumo de crack. Impedidos de retornar às suas residências, por causa de dívidas com traficantes, usuários da pedra da morte adotam a rua como abrigo permanente.
Carlos entende, também, que o caráter humanitário da oferta de comida por ONGs alimenta o processo de permanência destas pessoas nas vias públicas.
– O sentimento, a percepção que temos é esta - garante Carlos.
Em 2010, a Fasc terá R$ 26 milhões a mais no orçamento. Uma parte será utilizada na ampliação do número de vagas. Serão construídos dois albergues menores, cada um com 75 vagas, e criados 22 centros de referência em assistência social.



Serviços existentes
- Atendimento Social de Rua – Aborda e identifica moradores de rua. Telefone para solicitar abordagens: 3221-8578, de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h30min às 18h. À noite e nos finais de semana, as solicitações devem ser feitas pelo fone 3346-3238.
- Casa de Convivência – É um espaço diurno que encaminha para a rede de atendimento. Vagas: 70 pessoas por dia. Na Rua João Alfredo, 782, Cidade Baixa, de segunda a sexta-feira, das 8h30min às 12h e das 13h30min às 18h.
- Albergue Municipal – Oferece pernoite, janta, café-da-manhã, banho e roupas limpas. Funciona diariamente, das 19h às 7h. Vagas: 120 no ano inteiro e 150 no inverno. Na Rua Comendador Azevedo, 215, Bairro Floresta. Telefone 3346-3238.
- Abrigo Municipal Marlene – Vagas: 100 no ano inteiro e 110 no inverno. Na Avenida Getúlio Vargas, 40, Bairro Menino Deus
- Abrigo Municipal Bom Jesus – Vagas: 78 no ano inteiro e 88 no inverno. Na Rua São Domingos, 165, Bairro Bom Jesus.

Endereços em que foram encontrados moradores de rua

0h05min: escadaria da Catedral Metropolitana, na Rua Duque de Caxias, Centro.
0h10min: bancos da Praça da Matriz, Centro.
0h20min: calçada da Rua Duque de Caxias, próximo à esquina com a Rua Marechal Floriano, Centro.
0h25min: calçada sob o Viaduto Otávio Rocha, na avenida Borges de Medeiros, Centro.
1:25 calçada da Avenida Assis Brasil, no Bairro Cristo Redentor.
1h40min: calçada da esquina da Rua Jerônimo Coelho com a Avenida Borges de Medeiros, no Centro.
2h05min: área de recuo de mercadinho na Rua Laurindo, no Bairro Santana.
2h20min: calçada da Avenida Ipiranga, esquina com a Rua Santana, Bairro Santana.
2h30min: calçada da Avenida Osvaldo Aranha, no Bairro Bom Fim.

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