sábado, 23 de janeiro de 2010

GASTRONOMIA POLITICA

Uma das questões que ia “pegar” neste início de ano, se o Haiti não tivesse tremido tanto, era a proposta do Governo Lula de controlar o conteúdo editorial dos meios de comunicação sob o pretexto de que os organismos de comunicação não têm tanto poder (e direito) de opinar sobre a maneira como se conduz o futuro político e econômico da nação. Antecipando-me (e preparando) para esta possibilidade, lembrei que durante os tristes “anos de chumbo” uma das alternativas dos editores ao poder da censura era publicar, nos espaços vetados, inofensivas receitas de culinária, mas que não passavam despercebidas pela opinião pública.


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Enroladinho à Setembrina

Ingredientes:

- sete escolas de samba viamonenses;
- uma rádio comunitária
- políticos de ocasião (a gosto)
- uma passarela do samba
- público (o que você conseguir juntar)
- alegorias e fantasias
- um secretário de cultura (para o molho Branco)

Modo de preparo:
Limpe e desosse as escolas de samba e reserve. Comece a cozinhar a rádio comunitária em fogo baixo, mas de vez em quando tempere para deixá-la bem apimentada. Corte os políticos em tiras bem fininhas, e coloque no fundo de uma panela de ferro. Você vai ter que colocar todos os outros ingredientes por cima para abafar os políticos durante o cozimento.
Em uma passarela do samba, bem apertada e desconfortável acomode o público em duas camadas, sobre o papel machê das alegorias. Junte o molho “branco” que você preparou com o secretário de Cultura e deixe descansar.
Ao final, jogue as escolas de samba, e leve ao forno. Sirva decorada com as fantasias para que o prato fique bem bonito.

Dicas:
As escolas de samba podem ser adquiridas em um kit, associadas e já amaciadas.
Dê preferência por políticos com ambições estaduais, são mais fáceis de cozinhar.
E fique atento: rádios comunitárias são ariscas e só devem ser abatidas na hora do preparo, para não estragarem o prato.
Se você não gostar do sabor das escolas de samba, e preferir um sabor mais gauchesco, pode optar por tradicionalistas ao invés de carnavalescos.
Como sobremesa apresente aos seus convidados um delicioso arroz com leite.
Tempo de preparo: quarenta dias
Rendimento: dois mandatos.

EDUARDO ESCOBAR - Diário de Viamão

RESTINGA 40 ANOS

Aos 40 anos, Bairro Restinga comemora desenvolvimento



Hospital eleva comunidade para uma das principais da Capital


A obra, já em andamento, de um hospital com 90 leitos e o início das aulas em março na primeira escola técnica federal da Restinga poderão transformar a vila, forjada a partir da transferência de famílias pobres da área central de Porto Alegre, no final da década de 60, em um dos principais bairros da Capital.
Dividida em Velha e Nova no imaginário dos próprios moradores devido à política de urbanização da época em que foi instalada, a Tinga, como carinhosamente é conhecida, busca diariamente provar que pode ter o próprio lugar ao sol.
Para expor as mudanças que ocorreram e continuam acontecendo em um dos maiores bairros da cidade, o Diário Gaúcho conversou com moradores e pesquisadores para apresentar o lugar que, por sua população (calcula-se que cerca de 200 mil pessoas vivam hoje no local) poderia ficar entre as maiores cidades gaúchas.
Para Flávio Adair Chaves Pereira, 45 anos, mais conhecido como Falcão, sorriso no rosto e braços abertos estão sempre em primeiro lugar. Em 1968, aos quatro anos, ele foi enxotado com a família da extinta Ilhota (vila do Bairro Menino Deus), para um terreno sem casa ou saneamento básico nas terras secas de um lugar chamado de Vila Restinga.
Falcão lembra bem das condições precárias de sobrevivência.
– Deixamos a Ilhota com o sonho de melhorar de vida, mas tivemos que começar do zero – conta.
Era o início da chamada Restinga Velha. Cada família construiu a própria casa. Como no local não havia escola, muitas crianças ficaram sem estudos.
– À noite, a luz da lua era a nossa única claridade. Quando o carro-pipa não vinha, buscávamos água em vertentes. A distância e a falta de transporte público, pois eram só dois ônibus por dia, deixaram muitos moradores sem emprego – recorda.
Ficaram na espera
A garantia da prefeitura da época de que as primeiras famílias transferidas ganhariam casas no local ficou apenas na promessa. Quando surgiu o projeto do Demhab para a Primeira Unidade, no início dos anos 70, a maioria não alcançava a renda mínima exigida. Então, pessoas de outras regiões da cidade conquistaram o direito à casa própria.
– Ficávamos olhando as casas brancas do outro lado da rua. E nós aqui, esperando – conta Falcão.
Com o passar dos anos, ele viu a vila se tornar bairro.
– As pessoas pensam que isso aqui é o fim do mundo por ser distante, mas só quem mora aqui sabe que este amor pela Tinga jamais se acaba.

Uma grande família

Entre os primeiros a habitarem as casas brancas do outro lado da Avenida João Antônio da Silveira estão os moradores das redondezas da antiga Rua 1, hoje Rua Silvio R. Sirângelo. Aristélio e Eva Cardoso Amaro, de 70 e 67 anos respectivamente, eram noivos quando decidiram comprar a casa própria na Primeira Unidade, há 39 anos.
– No início, me apavorei com a distância e com a falta de recursos – recorda Eva.
Já o casal Cláudio Roberto e Beni da Rosa, de 58 e 65 anos, há 35 anos na Restinga, temia que o local não se desenvolvesse.
Banheiro meteu medo
Ainda criança, o hoje professor de História Alexandre Gomes Amaro, 44 anos, lembra do medo de usar o banheiro, que era uma novidade para a família.
– Antes, usávamos uma latrina. Então, aquilo era uma novidade. Eu ficava horas dando descarga no vaso.
Apesar de demonstrarem orgulho por viverem no bairro, existe uma unanimidade entre os vizinhos quando se fala na falta de lazer para os mais jovens.
Mas é a serelepe Neusa Cabral Corrêa, 62 anos, conhecida como Baixinha, que resume o sentimento dos moradores pouco antes de eles posarem abraçados para uma foto no bairro:
– A Restinga é tudo. Somos uma grande família.
Durante quatro anos, a mestre em Geografia Nola Gamalho percorreu ruas, conversou com moradores e descobriu uma nova Tinga.
– Decidi conhecer o bairro de tanto passar pelo mapa da cidade, na Estação Mercado, e ver aquele ponto distante dentro de Porto Alegre.
Nola apresentou o bairro no trabalho de conclusão do curso de Geografia e retornou no ano seguinte para fazer a dissertação do mestrado.
Para sua surpresa, foram encontrados 28 reassentamentos, habitações populares, loteamentos irregulares e ocupações dentro da própria Restinga. Mesmo assim, Nola acredita que ainda seria impossível pensar numa emancipação.
– A Restinga poderia ser vista como uma cidade dentro de outra cidade se tivesse um parque industrial mais desenvolvido e já contasse com o hospital e as escolas técnicas.

A Tinga em números

- Pronto Atendimento: 1
- Unidades Básicas de Saúde: 2
- Unidades de Saúde da Família: 5
- Equipes de Estratégia de Saúde da Família: 7
- Escolas: 16
- Creches conveniadas: 21
- Fórum: 1
- Corpo de Bombeiros: 1
- Batalhão da Brigada Militar: 1
- Delegacia de Polícia Civil: 1
- Clube: 1
- Profissionais autônomos: 196
- Minimercados: 31
- Armazéns/fruteiras: 34
- Escritórios (contabilidade/administrativo/engenharia): 10
- Consultórios médicos particulares: 20
- Agências bancárias: 2
- Oficinas: 10
- Auto-escola: 1
- Padarias: 5
- Supermercado: 1
- Fábricas/Indústrias: 28
- Lancherias: 12
- Escolas de samba: 2

Disposto a resgatar a história do bairro, o aposentado José Carlos dos Santos, 59 anos, mais conhecido como Beleza, criou maquetes que relembram os primeiros tempos da Tinga. Com caixas de fósforo, papelões e uma boa dose de criatividade, Beleza reconstruiu as “malocas”, como eram chamados os primeiros casebres construídos na região, e o ônibus vermelho e amarelo que passava duas vezes por dia na Vila Restinga.
– Chamavam o ônibus de Arca de Noé porque todos carregavam bichos dentro do veículo, de galinha a cachorro – conta, aos risos.

História nas escolas

Morador da Segunda Unidade há 34 anos, Beleza visita as escolas do bairro e conversa com os alunos sobre a história da Restinga.
– O objetivo é fazer com que os mais jovens se sintam atraídos pela história do próprio bairro onde moram.
"Moro na Primeira Unidade e o que mais gosto é da vizinhança. Se pudesse melhorar algo pediria para aumentar a quantidade de horários das linhas de ônibus e o policiamento nas ruas."

Eliane da Ré
Dona de casa – Mora há 36 anos na Restinga Nova
"A Restinga não é só violência. Me criei no bairro e o que mais gosto é da vizinhança. Lá, todos se ajudam e a união faz a força."

Aline da Silva Rodrigues

Auxiliar administrativa – Mora há 18 anos na Restinga Velha
"Temos quase tudo no bairro, com um comércio reforçado. Mas seria ainda melhor se as praças fossem recuperadas e se tivéssemos linhas de lotação e executiva de ônibus, pois ficaria mais confortável para enfrentar a viagem entre o Centro e a nossa casa."

Vera Lúcia Ferreira Bica
Telemarketing – Mora há cinco anos na Restinga Nova
"Quem vai para a Restinga nunca mais sai de lá. A gente se apaixona. É uma pequena cidade que só sente falta de um hospital e de policiamento reforçado."

Firmino da Silva
Padeiro – Mora há 24 anos na Restinga Velha

 história do local em fatos

- 1967 – Chegada dos primeiros moradores à Vila Restinga (onde hoje é a Restinga Velha).
- 1971 – Chegada dos primeiros moradores ao projeto habitacional Nova Restinga (onde hoje é a Restinga Nova)
- 1972 – Fundação do Centro de Comunidade Vila Restinga (antigo Cecores), hoje chamado de Centro Regional de Assistência Social Restinga e Extremo-Sul. Oferece atendimento social aos moradores, serviço jurídico (Vara de Família), piscina comunitária e ginásio com atividades esportivas. Três secretarias trabalham em conjunto no local: Sme, Smed e Fasc.
- 1977 – Criação da primeira agremiação do bairro, a Unidos da Tinga. Depois, ela se transformou na Estado Maior da Restinga. O primeiro desfile ocorreu em 1979.
- 1989 – Criação da Sociedade Recreativa Carnavalesca Academia de Samba União da Tinga.
- 1990 – A Vila Restinga é declarada bairro pela prefeitura pela Lei 6571, de 8/1/1990.
- 1991 – Governo estadual cria o Foro Regional da Restinga pela Lei 9485, de 24 de dezembro de 1991.
- 1998 – Criação do Centro Infantil Renascer da Esperança, fundado pela gari Roseli da Silva.
- 1999 – Criação da sede da Casa da Sopa – a entidade foi fundada pela aposentada Eva Laurência Valadares, falecida há cinco anos. Hoje, o fiscal de tráfego Roni Ângelo Ferrari é o presidente da instituição.
- 2009 – Assinada a Licença de Instalação para o Hospital da Restinga.
- 2010 – Iniciada a limpeza do terreno para construção do hospital.